Muitas pessoas têm relatado que seus aparelhos eletrônicos foram danificados por água, mesmo sendo resistentes ou a prova d’água. Essas reclamações por parte dos consumidores são muito frequentes, o que nos levou a investigar, em particular, as especificações dos equipamentos e os termos de garantia do IPHONE 12 e das famosas câmeras de ação GOPRO HERO9.
1 IPHONE 12
O IPhone 12 investiu em uma envolvente publicidade em que a proprietária do aparelho, em certo ponto, deixou cair alguns tipos de líquidos sobre o mesmo, demonstrando não ter sofrido qualquer dano com o ato.
No site oficial da APPLE consta a informação de que os aparelhos (iPhone 12 e o iPhone 12 mini) são resistentes à respingos, água e poeira, com certificação IP68 – o que equivale a dizer que os aparelhos são resistentes a submersão em profundidade máxima de seis metros por até 30 minutos. Essas informações constam em nota de rodapé das especificações técnicas do aparelho.
O iPhone 12 e o iPhone 12 mini são resistentes a respingos, água e poeira e foram testados em condições controladas em laboratório, classificados como IP68 segundo a norma IEC 60529 (profundidade máxima de seis metros por até 30 minutos). A resistência a respingos, água e poeira não é uma condição permanente e pode diminuir com o tempo. Não tente recarregar um iPhone molhado. Veja instruções de limpeza e secagem no Manual do Usuário. Danos decorrentes de contato com líquidos não estão incluídos na garantia.
Curiosamente, no termo de garantia do produto, também consultado pelo site oficial da APPLE, consta a garantia não se aplica ao defeito provocado por “contato com líquido”.
Mas será que isso está correto?
2 CÂMERAS DE AÇÃO GOPRO HERO9
As câmeras de ação GOPRO HERO9 são as mais cotadas do seguimento, haja vista a sua publicidade que leva a crer que são capazes de registrar os momentos mais inusitados em qualquer ambiente que seja – inclusive, submergida na água.
Nesse ponto a GOPRO é um tanto mais ousada, eis que informa em seu vídeo publicitário que a câmera é à prova d’água com resistência a até dez metros de profundidade. Um detalhe importante é que no mencionado vídeo a imagem é gravada no mar, levando o potencial consumidor a crer que não terá quaisquer problemas no tocante a danos provocados por líquidos.
Com efeito, ao consultar os termos de garantia do produto no site oficial da GOPRO, consta a informação de que a câmera de ação “GoPro não têm garantia contra vazamento na caixa para mergulho ou quaisquer danos resultantes”.
Devido à possibilidade de erro de vedação, os Produtos GoPro não têm garantia contra vazamento na caixa para mergulho ou quaisquer danos resultantes.
Traduzindo: a câmera é a prova d’água, mas se quiser gravar seus vídeos em locais molhados, ou mesmo submergi-la, ainda que protegida com caixa para mergulho, é por sua conta e risco!
Mas será que isso pode?
3 A APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
A primeira observação que se comporta fazer é sobre a publicidade dos produtos acima descritos. Nesse particular, importa dizer que o anúncio publicitário não pode omitir ou faltar com a verdade, muito menos manipular frases, sons e imagens para confundir os potenciais consumidores.
TRANSPARÊNCIA é palavra de ordem nas relações de consumo e significa clareza, nitidez, precisão, sinceridade. Importa na necessidade de informações claras, corretas e precisas sobre o produto ou serviço a ser oferecido ou prestado.
A automática consequência prática inerente ao Princípio da Transparência é o dever de informar do fornecedor e, noutro giro, o direito à informação do consumidor (artigo 6º, III, do CDC). Isso porque, como adverte Cavalieri Filho, “só há autonomia de vontade quando o consumidor é bem informado e pode manifestar a sua decisão de maneira refletida”.
Contudo, ambos os produtos acima descritos salientam como relevantes características o fato de serem resistentes ou a prova d’água – convencendo o potencial consumidor que este é um diferencial do mesmo. Ambas campanhas publicitárias, igualmente, omitem a relevante informação de que suas garantias não garantem os defeitos provocados por contato dos produtos com líquido.
Mas será que as empresas poderão se esquivar de garantir os produtos que colocaram no mercado?
O Código de Defesa do Consumidor não deixa dúvidas sobre a responsabilidade do fornecedor pelos vícios que tornem os produtos impróprios ou inadequados para sua utilização, como se extrai do artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor.
Art. 18 – Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
§ 1º – Não sendo o vício sanado no prazo máximo de 30 (trinta) dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;
II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III – o abatimento proporcional do preço.
Parece adequado que se a empresa coloca no mercado um produto com a descrição de “resistente ou a prova d’água”, DEVE GARANTIR o produto contra defeitos oriundos de contato com água.
Evidentemente que os danos provocados pelo uso em desacordo com as especificações das empresas não responsabilizarão o fornecedor. No caso do iPhone, a imersão do mesmo em líquidos por profundidade ou por tempos maiores do que as especificações técnicas, não obrigarão o fornecedor a cumprir a garantia, pois caracteriza o uso inadequado do produto.
Um detalhe muito importante é que cabe ao fornecedor comprovar que o produto foi utilizado de forma inadequada, em desacordo com as especificações técnicas; não bastando a mera afirmação de que isso aconteceu.
A mesma lógica se aplica a GOPRO e a quaisquer outros produtos com características similares!
4 CONCLUSÃO
Convém deixar claro que o objetivo do presente artigo NÃO é recomendar aos consumidores que mergulhem com seus aparelhos eletrônicos para desafiar as garantias dos fornecedores; por outro lado, é de conscientizar sobre o Direito e a proteção ao consumidor.
Os produtos postos no mercado devem atender aos mínimos padrões de qualidade e, sobretudo, devem atender às legitimas expectativas criadas nos consumidores em virtude da publicidade divulgada.